O TeE Entrevista de hoje é com o diretor, jornalista e um dos fundadores do grupo TAPA: Eduardo Tolentino. Ele conversou com a gente sobre a peça “Papa Highirte”, texto de Oduvaldo Vianna Filho, que você encontra o serviço completo da peça no final desse post. Vem com a gente!
TeE: Como foi o processo de adaptação do TAPA durante a pandemia para o online? Você acha que o teatro conseguiu dialogar com o remoto e vai usar de elementos desse período futuramente, ou foi somente a saída possível que teve no momento e será deixada para trás ?
Eduardo Tolentino: Primeiro, teatro é uma coisa que acontece ao vivo, com espectadores e artistas presentes no mesmo espaço. Nos anos 50 e 60, os teleteatros foram muito fortes aqui no Brasil e o “vídeo teatro” surgiu nesse momento de pandemia como um derivado dessas linguagens. Muita gente já está deixando de lado, mas eu não gostaria de abandonar completamente apesar de não termos conseguido retomar o ritmo de produção do momento em que ficamos reclusos, no qual fizemos 12 vídeos e colocamos em rede. Isso é o futuro, e que não vai acabar com o teatro tradicional de você estar sentado em frente a uma pessoa com um banquinho e um violão (risos), da mesma forma como o cinema, a televisão e o rádio não acabaram com o teatro tal qual ele foi inventado pelos gregos. Negar esse novo formato é negar o andamento do mundo.
O teatro entrou no mundo globalizado de vez. Nenhuma das peças que a gente fez foram gravadas em teatros, foram feitas especialmente para o vídeo teatro, pois não há nada pior que assistir teatro filmado. Nós também não fazemos a transmissão online enquanto estamos atuando ao vivo, é horroroso. É preciso assumir e pensar com profundidade no formato se quiser utilizá-lo, não somente fazer como uma alternativa qualquer.
TeE: A retomada do teatro nesse momento está conseguindo atrair um público maior aos palcos, ou ainda estamos enfrentando o desafio de fazer teatro majoritariamente para a própria classe teatral?
Tolentino: O TAPA nunca fez teatro para a própria classe teatral. Nesses 42 anos de existência, a nossa prioridade sempre foi o público, e qualquer público. Como nosso repertório é muito vasto, nós já fizemos montagens ligadas a segmentos que têm seu público específico, por exemplo quando fizemos uma peça que discutia a psicanálise, interessou mais a um público específico de psicanalistas e estudantes de psicologia.
Eu detesto teatro para a classe teatral, é a coisa mais burra que se pode fazer. Quando você faz para a classe, você fica ligado somente à tendências, à moda, e essas tendências geralmente têm valores importados que querem definir o que é bom e o que é ruim dentro do teatro. Por exemplo, agora muita gente está contracenando com vídeo em peça porque na Europa está se usando, ou vamos só discutir pautas identitárias porque esse é o tema da moda. Tudo isso pode e deve ser feito em cena, mas não porque se está atendendo a uma demanda exterior, você deve fazer se for uma desejo seu.
O caminho de ir em busca do seu desejo é também o de ir em busca do público. Então o público que retornou desde que retomamos o teatro em agosto do ano passado é um público amplo e de teatro, um público que contempla todas as faixas sociais, etárias e de gênero. Todo mundo. Eu, por exemplo, me interesso por pautas que não estão somente ligadas à minha idade. Acredito que quanto mais amplo for o ofício que é praticado não só por um conjunto, mas por toda uma sociedade onde cada vez mais vozes falam sobre suas questões, melhor é o teatro.
TeE: Atualmente, você está na direção de Papa Highirte, texto do Vianinha. O que desse trabalho é diferente que outros textos já encenados dele por vocês, como Moço Em Estado de sítio (1995) e Mão na Luva (2009) ?
Tolentino: Deixa eu falar o que é: Papa vem da ideia do ditador Haitiano Papa Doc, ele é uma símbolo dos ditadores populistas que povoaram a América Latina nos anos 60 e que voltaram não só na América Latina, mas no mundo. E os populistas não se referem só aos homens de direita, porque também tem os populistas de esquerda. Populismo é um movimento que nasceu na Rússia nos anos 70 do século XIX e se espalhou pelo mundo encontrando um terreno fértil na América Latina. Essa peça é de 68 e ela faz uma radiografia desse homem, com vários traços de Getúlio Vergas, Perón e uma série de outros populistas que a gente teve ao longo desse tempo.
TeE: Montar um texto que debate sobre líderes populistas em 2022 (ano tão importante para a história do Brasil) provoca no público algo para além da reflexão sobre em quem votar nas eleições? O que fazer um texto político revela sobre a política do Brasil hoje ?
Tolentino: Acho que o texto não discute eleições, discute um modelo. Um modelo de uma República de Bananas, que é o que não deixamos de ser. Infelizmente. A peça faz uma radiografia desse político já exilado equivalente ao que o Gabriel Garcia Marques escreveu em: “O Outono de um patriarca”, e “O General e seu labirinto”, mostrando como são esses homens fora do poder, e como eles gostariam de voltar ao poder. Mostrando o que colocou e o que tirou esses homens de lá.
Então na verdade o Papa Highirte, pensa que é dono do país por conta do cargo que ocupa, mas não percebe que ele é um joguete das forças armadas. Tem uma frase maravilhosa que um general diz pra ele: “Você não passa de um coronelzinho, e um coronelzinho deveria ter ficado”. Então, ele é um nome que está sendo usado pelas forças armadas, e mais fantoche ainda do capital estrangeiro. Essas forças armadas se juntam ao capital estrangeiro e esse populista é só um fantoche disso, apoiado num carisma pessoal. É isso que o Vianna desmonta.
Mas a peça ganhou uma outra conotação depois. Um dos temas da peça, é a tortura, quando vazaram os áudios da tortura no Brasil, pelo próprio exercito, algumas coisas que pareciam, para o grande público, obras de ficção, ou dúvida, se tornaram evidentes. As torturas na América Latina foram muito violentas nos anos 60. Então eu digo que essa peça, se montada há 5 ou 6 anos, seria taxada de datada, porque a gente não encara a história como se fosse cíclica, diferente dos argentinos e chilenos, que contam de diversas formas, a história dos anos de chumbo que eles viveram e isso é uma memória constante.
Pra nós, é melhor esquecer a história, pelo nosso sistema de ensino, pela nossa visão familiar… A gente quer esquecer. Nós temos um país de memória muito curta. Daqui a 10 anos talvez ninguém mais saiba quem foi Fernanda Montenegro. Nossa vocação é negar a história e pagamos os preços disso. O Papa Highirte traz neste momento oportuno esse resgate da história, e ai acho que é um momento pra pensarmos num futuro como identidade, como nação.
TeE: Existem outros textos do Vianninha que você recomenda a leitura para quem se interessar pelo autor ?
Tolentino: A editora temporal tem publicado a obra do Vianna, inclusive tem um stand de vendas no espetáculo. Já foram publicados 6 títulos dele em edições comentadas, muito interessantes, e eu acho que vale à pena as pessoas comprarem e lerem essas edições. Mais 3 obras serão publicadas ano que vem, e acho que é uma forma de tomar contato com a obra do Vianna. Essas 9 planejadas pela Temporal, são as peças fundamentais, as grandes matrizes. Existem peças de outras fases do Vianna que foram publicadas por outras editoras e que também vale a pena serem lidas.
SERVIÇO:
De 20 de maio a 17 de julho (Sexta e sábado, às 20h, domingo, às 18h)
Preço: R$ 40 (Inteira) e R$ 20 (Meia).
Espectador poderá fazer doação para o SOS TAPA comprando ingressos com valor maior.
Compra Online: Sympla
Classificação: 14 Anos. Duração: 110 Minutos
Capacidade: 50 Lugares (plateia livre)
Galpão do TAPA
Rua Lopes Chaves, 86 – Barra Funda.
grupotapa.com.br